O Acaso como Força Geradora do Processo Artístico
THESIS
Silva, Pedro J. Alegria P. (28.01.2021). O Acaso como Força Geradora do Processo Artístico. Tese de Doutoramento em Artes Plásticas. Orientação de Sílvia Simões. Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Disponível aqui
A minha prática artística, tema central desta tese que se corporiza no uso do acaso matemático implementado através de processos algorítmicos para a produção de imagens com as quais procuro fugir ao paradigma funcionalista tecnológico. O paradigma tecnológico responde a um critério de valor externo que procura comunalidades e generalizações, que são o cerne da actividade científicotecnológica. O artista faz o oposto, concentra-se no particular, em si mesmo, afasta- se do geral, repugnam-lhe as generalizações: o seu critério de valor é interno. Neste sentido, o uso do aleatório matemático torna-se uma ferramenta de sondagem do Eu interno do artista, de procura dessa particularidade. As imagens que produzi fogem à caracterização habitual de arte digital pois a relação entre o observador e o objecto não é mediada por nenhum meio digital. O uso do meio computacional é central no meu trabalho, o virtual passa-se apenas no plano que media a relação do artista com a obra, sendo totalmente escondido ao espectador que já as recebe sobre um suporte tradicional – o papel.
Deste modo, abordo a ligação dos meus desenhos digitais com a tradição do “desenho” e a questão de saber se a sua natureza digital os desclassifica como “desenhos”, concluindo pela negativa, dado que, pelo contrário, estão bem presentes no meu trabalho os aspectos essenciais ao desenho: o registo do processo de exteriorização de uma ideia que teve origem na mente do artista, a natureza vivencial e temporal desse processo de transcrição do seu Eu interior. Esta presença do Eu na obra é questionada no meu trabalho no sentido de a evidenciar, tornando-a peça central no processo algorítmico, e, deste modo, obter um equilíbrio entre a intervenção humana e a presença do artificial no desenho final. O acaso serve para criar um vazio de significados na imagem que as desumaniza superficialmente, mas onde a mão do artista puxa a imagem para fora da treva da mera possibilidade matemática para a tornar numa inevitabilidade artística e assim re-humaniza a imagem de força decisiva.
Desenvolvi um estado-da-arte baseado em dois pilares: o uso histórico do acaso na arte e da sua evolução como ferramenta de expressão psicológica do artista e, por outro lado, a reflexão sobre as aporias da utilização do computador. Sobre estes dois pilares de natureza histórica construí uma reflexão sobre a natureza dos desenhos e imagens que produzi e procurei situa-las num campo de outros artistas com interesses semelhantes. Por fim descrevi os aspectos práticos computacionais necessários à construção das imagens e dos detalhes dos algoritmos e gestos gráficos utilizados, que se exemplificam com um conjunto de imagens finais.
Desenvolvi um software que foi construído como parte do meu repertório artístico. Tal como uma destreza desenvolvida, foi a ferramenta de construção das imagens que apresento ao longo do trabalho. Todos os algoritmos foram implementados em linguagem de computador, e que resultaram nuns milhares de linhas de código, mas que não são aprofundados tecnicamente nesta tese pois esse aspecto está fora do âmbito artístico desta tese. Ainda assim, o objecto artístico não é tã o só o conjunto de imagens, mas também – em não menor grau – o próprio software como locus de corporização do código, se bem que inacessível ao espectador. A minha arte algorítmica sublinha a centralidade do ser humano na concepção do algoritmo. Recusa o “Erro de computador”, e afirma que por detrás esta sempre alguém responsável pelos seus efeitos: os que se escondem por detrás de algoritmos são pessoas, e que os efeitos político-sociais dos algoritmos, não derivam de entidades abstractas de silicone mas da vontade de pessoas bem reais que os usam como um apparatus de controlo social. Elenco as aporias implícitas no uso o computador, sejam políticas, sociais, filosóficas que advêm do seu uso como ferramenta de guerra e controlo social no século XXI. Procuro fazer um deslocamento dos seus propósitos funcionais: torná -lo numa ferramenta de modo a submetê-lo ao humano, dando-lhe um uso contrário criativo e não destrutivo.
Foi ainda discutida a epistemologia de uma investigação artística de modo a procurar um equilíbrio entre a prática artística e os requisitos de uma investigação baseada na prática. Esse ponto de equilíbrio é atingido pelo reconhecimento de quais os requisitos, num trabalho que terá sempre de ser artístico, devem ainda assim permanecer num campo de valorização externa ao artista, ou seja, o discursivo. Proponho o conceito de facto-artístico que articula os dois aspectos, artístico e discursivo, do trabalho de investigação artística e tentei nesta tese aplicar esses mesmos princípios. Esta tese materializa, ela própria, o processo investigativo conducente à criação do facto-artístico.
Palavras-chave: algoritmo, acaso, software, imagem, desenho, investigação, facto-artístico.