INTERVIEW

Cardoso, Vasco (2021). “Geografia, Paisagem, Cartografia e Desenho – Entrevista a Mário Gonçalves Fernandes”. Gravação e edição de Patrícia Almeida. Apoio técnico de Maria Catarina Silva. Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da UP.

Vasco Cardoso (VC): O Desenho na Geografia…

Mário Gonçalves Fernandes (MGF): Antes dos meios tecnológicos ligados à imagem que, no fundo, se começam a desenvolver com a Fotografia no século XIX, antes disso, já havia geógrafos, e já havia outras áreas do conhecimento para as quais a paisagem era importante, a observação da paisagem, e, portanto, também a representação da paisagem. O Goethe fazia-se acompanhar principalmente – se não estou em erro -, quando visita a Sicília, de um pintor, que servia de…digamos, seria o seu desenhador para desenhar/pintar as paisagens que ele ia observando e que lhe interessavam. E, portanto, o Desenho enquanto instrumento de representação do que é observado sempre foi um instrumento essencial para a Geografia e para os geógrafos. Até porque, não só na perspectiva da representação, mas também na perspectiva de leitura da paisagem. Reparemos, quando nós tiramos uma fotografia de uma paisagem, mesmo que façamos enquadramentos e procuremos escolher…abarcar na imagem, na fotografia, aquilo que nos parece mais pertinente, nessa imagem vem tudo o que está disponível, tudo o que é visível; enquanto que, o desenho de paisagem, permite que se desenhe, que se escolha os elementos que na paisagem são importantes para a caracterizar, que são estruturais, por exemplo. E, portanto, o Desenho enquanto método de…instrumento de análise da paisagem também é muito imp- E de compreensão da própria paisagem! O acto de desenhar ajuda a compreender a própria paisagem. Mas teve alguma perda com a Fotografia principalmente, e com as novas tecnologias, as imagens de satélite, a fotografia aérea já a partir do início do século XX, etc., etc.

Ora, nós estamos convencidos – nós na Geografia do Porto -, e creio que genericamente entre os geógrafos, estamos convencidos que os mapas continuarão sempre a ser importantes como dizia, por exemplo, relativamente à questão do Desenho enquanto instrumento de compreensão da própria paisagem; também o mapa, a elaboração do mapa, enquanto instrumento de compreensão da superfície da Terra, do território, da organização dos territórios, continuará a ser importante.

Houve um tempo, no final do século XX, em que se considerava com o desenvolvimento dos sistemas de informação geográfica que se deixaria de fazer mapas à mão. Ora, nós, enquanto método pedagógico, fazemos questão de que os nossos alunos, logo no primeiro ano, na unidade curricular (que foi tendo vários nomes, mas que neste momento se chama exactamente Cartografia) comecem por fazer os mapas à mão. Nós, na Geografia do Porto, já de há muitos anos, temos uma metodologia que passa [pel]os estudantes desenharem os mapas à mão. Nesta perspetiva, há aqui, também, uma componente de Desenho, embora, naturalmente, seja um desenho que se aproxima mais de uma ideia de um desenho técnico. Uma representação gráfica que está ao serviço do conhecimento científico, que pretende ser um instrumento para o conhecimento científico, quer, como dizia, para a compreensão dos territórios, quer enquanto elemento de representação dos territórios. Portanto, os alunos nos últimos anos constroem um pequeno atlas – nós chamamos-lhe um atlas concelhio – e nesse pequeno atlas do seu concelho, cada um faz um mapa introdutório de enquadramento do próprio concelho na sua envolvência em termos administrativos. É uma forma deles também começarem a ter uma aproximação às delimitações administrativas ou às delimitações com funções estatísticas, etc. E depois vão elaborando mais alguns mapas. Nunca se consegue que sejam muitos, naturalmente, porque o semestre é curto, mas pelo menos, de forma a que se tenha um mapa com implantação pontual, um mapa com implantação em linhas, e um mapa com implantação em mancha ou em superfície. Portanto, a base da geometria Euclidiana – o ponto, a linha, a superfície -, que, no fundo, é uma forma de organizar…de classificar as próprias simbologias. Os vários tipos de mapas podem ser classificados de múltiplas formas e também dessa forma.

Não precisa de ter jeito para o Desenho, precisa de conseguir conceber o mapa, ver quais são os problemas na escolha da simbologia e depois conseguir estruturá-lo, nem que seja esboçá-lo… E se não tem jeito para desenho, [e] se quer fazer um mapa rigoroso, digamos, limpo, sem ruído, podia ir a um técnico – que era o que muitos geógrafos também faziam -, um desenhador, mesmo, que faz o mapa limpinho. Ou, hoje em dia, com as novas tecnologias, pode utilizá-las e o traço já sai direito. Mas no nosso caso, eles [os estudantes] têm que fazer na unidade curricular à mão! Mesmo! Melhor ou pior – têm que praticar. Esta prática permite-nos sermos melhores leitores de mapas, não só organizadores…elaboradores…produtores não será a palavra mais adequada…será mais numa perspetiva institucional para as grandes instituições de produção de Cartografia…feitores de mapas, mas também utilizadores de mapas.

Eu sou um defensor do Desenho na formação do geógrafo. Do Desenho não na perspectiva de Arte, mas na perspectiva técnica, onde, a questão estética, a questão do cuidado, do equilíbrio visual do próprio mapa, é muito importante também. Mesmo no que toca à questão das simbologias utilizadas na cartografia teve que haver um percurso, um processo de alguma normalização, de alguma uniformização da simbologia. Desde logo, um dos mapas que o geógrafo usa como referência na sua formação é o mapa que nós, de uma forma pouco rigorosa, chamamos “Mapa Topográfico”. O “Mapa Topográfico” é, em Portugal, o mapa da escala um 1/25000, o mapa produzido pelo exército, a carta militar de Portugal como temos aqui algumas. Aliás, esses mapas tanto podem ser mapas de secretária, como podem ser mapas de campo. Uma das tarefas importantes do geógrafo é o trabalho de campo, e para o campo é mais prático em vez de levar um mapa grande, um mapa deste tipo [segura mapa com as dimensões aproximadas de um A1] que é um pouco mais incómodo; podemos levar o mesmo mapa, mas que é cortado e colado em tela [abre um mapa desdobrável com as dimensões aproximadas de um A6] e que depois se dobra e desdobra com facilidade. É o mesmo mapa. É o mesmo tipo de mapa, com o mesmo tamanho, mas é um mapa de campo, um mapa de bolso, se quisermos.

Há situações quase de comunhão entre as várias áreas disciplinares. Ainda há pouco estava a ver uma imagem da Arqueologia, que faz cortes para ver o interior para mostrar…descrever o interior das camadas das superfícies escavadas; e nós fazemos em Geografia cortes geológicos para descrever e explicar e compreender a formação daquelas geomorfologias. Creio que se percebe que, de facto, o Desenho tem um papel importante na formação do geógrafo e na prática da Geografia, assim como no ensino da Geografia. Até porque, se a Geografia é uma ciência da observação e compreensão, para descrever e compreender o que se observa, no fundo, como começámos, o desenho é fundamental.

VC: Completamente. A questão do tempo, o tempo de desenhar é um tempo de aprender e de descoberta-

MGF: É um tempo de aprender, sim, claro.

VC: -Sublinha-se isso em várias áreas do conhecimento, essa constante do Desenho em diferentes áreas do conhecimento…

MGF: Claro, o Desenho é fundamental. E não só! Eu tenho estado a referenciar a compreensão dos espaços terrestres, da superfície terrestre, dos territórios actuais…mas também dos do Passado. Fazer desenhos que conjecturam o que terá sido. Aí o Desenho, mais uma vez, é um grande apoio à explicação e à compreensão desses territórios do Passado.

VC: Dá-nos uma capacidade especulativa o Desenho, que outras ferramentas, se calhar, não permitem.

MGF: Sim, sim.

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