INTERVIEW
Silva, Vítor (20.01.2021), “A experiência pedagógica de desenho no FAUP – Entrevista a José Manuel Barbosa”. Gravação e edição de Patrícia Almeida. Apoio técnico de Maria Catarina Silva. Faculdade de Arquitetura UP.
Vitor Silva (VS): O que é que nós, eu também sou artista não sou arquitecto, podemos contribuir para essa formação do Desenho em Arquitectura?
José Manuel Barbosa (JMB): Na FAUP podemos pensar que o Desenho está dividido em 2 vertentes, o primeiro ano e o segundo ano. No primeiro ano onde se aprende, podemos dizer, o básico da linguagem plástica. Os temas são mais objectivos, no sentido [em] que podem ser objectos, pode ser a figura humana, pode ser o espaço, que inclui a paisagem urbana… São temas mais concretos no sentido da encomenda, o que implica sempre a aprendizagem da medida, da estrutura-
VS: Da proporção…
JMB: -da escala, da proporção… Por isso, isto são tudo elementos que vão ajudar a desenvolver uma linguagem plástica. E o segundo ano que é já um desenvolvimento de todas essas matérias que se aprenderam no primeiro ano, e, no fundo, [é] aprender a articular essas representações para se poder pensar o que se pretende, neste caso, o espaço. E é claro que é no conjunto desses 2 tipos de formação, um aparentemente apenas do Real, que seria o primeiro ano – e digo aparente, porque…há sempre acções que são muitas vezes psicofisiológicas e que não são visíveis -; o segundo ano, ao ir buscar essa matéria, inevitavelmente, procura desenvolver uma linguagem em que o estudante desenvolva o seu próprio modo de pensar. Ou seja, que o estudante chegue a determinado ponto e seja autónomo no modo de pensar.
VS: Por exemplo, essa imagem que estamos aqui a ver atrás [desenho afixado na parede] é uma imagem que, julgo eu, trata-se de um desenho já no segundo ano. O que é que podes dizer em relação a essa imagem neste contexto?
JMB: Trata-se de um exercício de memória acerca do sítio do projecto, o sítio onde eles terão que fazer a implantação. E o que se propõe, ao fim de algumas aulas dos alunos estarem a fazer o levantamento do sítio através dos diferentes sistemas de representação – axonometrias, perspectivas, esquissos -, depois desse levantamento é pô-los precisamente a ver a relação que realmente têm com o espaço, ao pensar fora do sítio, exterior ao sítio, estarem a ver realmente o que é que conseguiram extrair durante esse tempo do sítio. E a memória obviamente que nos trai imenso. Eu digo muitas vezes aos alunos que não faz mal nenhum que não esteja certo, estar errado é normal, a coisa mais natural do mundo é errar, o importante é estar a fazer o exercício, a reconstruí-lo, a repensar, a perceber melhor o espaço, o que é que faltou o saber desse espaço, os volumes (por que aqui estamos só a tratar de volumes), …
VS: Mas há uma singularidade aqui neste desenho que não foi dita, [é] que é um desenho colectivo…
JMB: Ah sim, sim, exactamente. Eu penso que o facto de eles estarem a interagir uns com os outros e a colocarem questões, que esse confronto e essa discussão acerca espaço, para além de revelar as memórias de cada um, também põe isso em discussão: como é que cada um lê o espaço? E eles próprios, entre eles, ao discutirem isso também se apercebem de como é que “ei, afinal não tinha pensado bem”, “ei, afinal não tinha observado isto”. Eu acho que essa interação também faz com que cada um deles pense de maneira diferente e passe a ver o sítio também de outro modo.
VS: O que é que é para ti o espaço? E o que é que indicia para o aluno essa ideia de espaço? Falaste de volumes…mas o que é que é o espaço? O que é que é esse conhecimento do espaço?
JMB: É todo…é os volumes, os espaços vazios, os espaços cheios, …uma envolvente que existe à volta do próprio sítio de implantação. O exercício que nós fazemos normalmente de levantamento do sítio em que eles estão vários dias – ou várias semanas melhor dizendo – a fazer o levantamento do sítio através de diferentes representações, faz com que eles realmente comecem a ter outra noção do espaço. E o que é a noção do espaço? É ter noção da largura, da altura, da profundidade… É claro que implica também outras coisas e é uma memória, na grande maioria dos casos, corporal, e eu digo-lhes muitas vezes: “o facto de estarem a fazer estes exercícios tem consequências que normalmente vocês nem se apercebem delas, são quase sempre inconscientes, …elas surgem no momento em que se está a projectar de um modo muito inconsciente”. Inclusivé lhes digo que “nós somos sensações, nós vivemos de sensações, e o espaço é uma sensação”. O problema normalmente é como é que traduzimos essas sensações? Mas a ideia é precisamente isolar os problemas para que possam estar a pensar e a traduzir essas sensações que têm do espaço.
VS: Quando o Desenho passa a estar ao serviço de uma relação conceptual, isto é, de invenção de formas, de relações propositivas…
JMB: Estes exercícios já vão nesse sentido. Primeiro, a representação do real, compreender a representação do real para poder conjugar com o imaginário. É a junção, a articulação dos diferentes sistemas de representação que ajuda a compreender o espaço, se uma planta ajuda a perceber a distribuição dos espaços, um corte permite ver as diferentes cotas, a perspectiva permite perceber melhor…ter a sensação da profundidade. Por isso, cada um dos sistemas terá as suas vantagens e as suas desvantagens, quando articuladas entre elas obviamente que permite ter uma visão mais geral do espaço.
VS: Qual é a importância da cultura visual do Desenho em Arquitectura para ti e para o trabalho de ensino que fazes?
JMB: …Penso que a cultura visual dos estudantes é importante e nós temos um exercício que é aparentemente muito simples, mas tem a sua complexidade, que é o desenho de cópia, que normalmente é um exercício que não é levado a sério, …mas é um exercício que contribui para com várias situações. Uma delas é essa cultura visual dos estudantes estarem a ver imagens produzidas por arquitectos ou por artistas. …E por outro lado, estarem também a perceber determinadas acções gráficas para distintos modos de representação, distintos modos de querer fazer ver as coisas, ou tornar visível o imaginário, o mundo das ideias. E esse desenho de cópia leva a que esteja a compreender a acção gráfica de cada um dos autores e isso também obviamente desenvolve outro tipo de respostas.
VS: E o desenho afecta implicitamente o trabalho da concepção da Arquitetura ou não?
JMB: Acho que antes do Desenho existe a Ideia. E as ideias são coisas que nos escapam com muita velocidade. O Desenho tem essa grande vantagem que é, com muita facilidade, com meia dúzia de riscos, se poder captar essas ideias, e isso vê-se em muitos esquissos dos arquitetos e denota muito bem o que é uma pessoa que aprende uma linguagem e que aprende a representar as ideias através dessa linguagem, e aqueles que não a sabem.
VS: Como é que tu vês essa relação com os computadores? Com a existência agora avulso da…
JMB: Sou um grande utilizador de computadores desde [19]90 e…[19]92 ou [19]93 e tenho muitos projectos realizados a partir do computador… Mas o computador é uma ferramenta, o computador não ensina ninguém a desenhar. O Desenho tem essa facilidade, é que qualquer um pode desenhar, aparentemente, e é… Todos nós fazemos, com muita facilidade, uma coisa esquemática para explicar alguma coisa a alguém, por isso o Desenho tem essa vantagem de ser quase automático. No entanto, pode-se e deve-se aprender os diferentes métodos de representação para se poder exprimir melhor as ideias. Voltando àquilo das sensações, nós vivemos de sensações, e o Desenho permite essa coisa fabulosa que é aproximar-nos das sensações. O Desenho é o que ainda nos mantém mais próximos da humanidade.